• A Noção de Certo e Errado do Lucas

    Data: 09/08/2014 | Categoria: Sem categoria | Tags:


    Por *Denizi de Paula Oliveira

    Lucas tem apenas seis anos de idade e uma surpreendente noção de certo e errado.

    Há três anos, lhe contei a história do Chapeuzinho Vermelho. Na época, influenciada pelas críticas quanto à violência nos contos infantis, decidi mudar o final da narrativa. Disse que o caçador trancou a vovozinha no armário.

    Após me ouvir atentamente, sem nenhuma interrupção, olhou nos meus olhos – este é um dos seus traços – e falou com firmeza: “Eu vou embora e, quando voltar, vou trazer uma faca para cortar sua boca”. Cortar a minha boca? Perguntei, espantada. “Sim, porque você falou mentira – o caçador não trancou a vovozinha no armário, ele matou e comeu a vovó.”

    Para ele, Chapeuzinho Vermelho era apenas uma história inventada onde tudo era permitido e possível, mas falar mentira na vida real era imperdoável.

    Soube que na última semana, durante uma partida de futebol, um adulto presente na sala brincou, jocosamente, com a negritude da maioria dos jogadores de um time. Ele, negro, com senso crítico já apurado, retrucou: “Você sabe, fulano, que isso que está fazendo é bullying?”

    Deixou claro que a brincadeira imprópria, por ser depreciativa, resultava da ignorância e merecia um toque de alerta.

    Há cerca de um mês, peguei uma revista e pedi que lesse umas palavras. Não conseguiu, ficou desconcertado, deu um jeito de escapulir. Uma semana depois, voltou e, como quem não quer nada, olhou para uma bolsa impressa, perguntando se eu sabia o que estava escrito. Devolvi a pergunta e foi precisa a resposta. Acertou.

    Tinha consciência da importância da leitura, correu atrás do prejuízo e, em tempo recorde, mostrou resultado. Agora, à vontade com as letras, já lê de carreirinha feito o Zelão da novela, confiante no próprio desempenho e todo orgulhoso de si.

    Ontem, sua mãe me disse que a diretora da escola a chamou para elogiar seu progresso. Está se destacando na turma, o que não me surpreende. Lucas é uma criança, dentre tantas neste país, que reforça a esperança de uma sociedade melhor, produzida com mais qualidade.

    Creio que se nós facilitarmos, ou não atrapalharmos demais, pode até acontecer rapidinho. Tomara!

    *Denizi de Paula Oliveira é médica, anfitriã e mentora do programa Belas Conversas, no Espaço Pessoa Bonita