• VISITAS MUSICAIS: TOQUES DE VIDA.

    Data: 18/02/2011 | Categoria: Entrevistas | Tags:

     

    Larissa Albertassi Dalrio é enfermeira, e mais uma pessoa bonita no sentido pleno da palavra. Demonstra competência, empatia e afetividade, qualidades que esperamos encontrar nos profissionais que nos auxiliem, direta ou indiretamente, em circunstâncias que ameacem a nossa vida, ou a vida de alguém que nos seja muito caro. Quem conhece boa parte dos ambientes das Unidades de Terapia Intensiva (UTIs), sabe do que falo. A motivação do convite para essa entrevista parte do reconhecimento dessas qualidades em alguns preciosos profissionais, algumas abençoadas “Larissas”, que atuam nessas unidades.  

     

    Ela nasceu em Volta Redonda, Rio de Janeiro, há 27 anos. Estudante de uma escola do município participou ali da primeira turma de violino dirigida pelo professor e maestro Nicolau Martins de Oliveira. Um grande aprendizado, dos sete aos quatorze anos, somado às aulas de pífaro e canto. 

    Completou o curso técnico de enfermagem e em seguida o superior, formando-se em 2007. No trabalho de conclusão do curso abordou o tema “A Visita Musical como Estratégia Terapêutica no contexto de uma Unidade de Terapia Intensiva”. Esse belo trabalho norteou nossas perguntas. Leia!

     

    Seja bem vinda Larissa! A VISITA MUSICAL COMO ESTRATÉGIA TERAPÊUTICA NO CONTEXTO DE UMA UNIDADE DE TERAPIA INTENSIVA… Um título atraente. O que a inspirou na escolha do tema?

    Sempre estive muito ligada à música, mesmo atuando na área da saúde. Trabalho há oito anos em uma Unidade de Terapia Intensiva e fico muito envolvida com o sofrimento do Ser ao qual estou prestando cuidados. Com isso sempre pensava em meios que pudessem amenizar um pouco esse sofrimento. Nunca havia me imaginado utilizando a música como um caminho, até que na faculdade chegou o momento de apresentar o trabalho final; através de conversas com amigos fui amadurecendo a idéia.

    É comum tratarmos usuários de serviços na área da saúde como “pacientes”. No seu trabalho você os identifica como “clientes”. Qual a razão?

    A modernidade está sempre presente nos termos de enfermagem. O termo paciente, em sua utilização cotidiana, apresenta uma concepção em que a pessoa atendida é vista mais como um objeto do que como o sujeito. Se formos olhar no dicionário, uma das definições para paciente é: Aquele que sofre sem reclamar. Assim, tenho que ter em mente que estou cuidando de um cliente consumidor e que acima de tudo é um ser humano que tem vontades, desejos e sonhos.

    O que a fez optar por uma UTI (Unidade de Terapia Intensiva) como ambiente para a realização do trabalho?

    Optei pela UTI não apenas por trabalhar nesse setor, mas por saber que é um setor crítico, fechado, onde o ser humano é separado de todo o seu cotidiano para que possa ser tratado.

    O cuidado humano implica na interação com o outro (cliente/paciente) abordando-o como ser e não como objeto, entretanto frequentemente essa abordagem ocupa um plano secundário ou inexiste, colocando-se como prioridade o atendimento técnico e os deveres administrativos. Como você avalia essa questão?

    Este é um ponto muito importante, pois é necessário que tenhamos profissionais comprometidos com a vida, mais intimamente com o ser que ali se encontra, e não apenas com a doença que ele apresenta. O profissional da enfermagem é que mais tempo passa com o cliente, daí a importância da sua conscientização sobre um cuidado que vai muito além da técnica, está também na interação com o outro.

    No início do seu trabalho você salienta que “ao hospitalizar-se a pessoa rompe com seu elo social e familiar atuante, para se colocar passivo (paciente) dentro do novo ambiente”. Que argumentos justificariam a música com finalidade terapêutica como um dos caminhos para se restabelecer esse elo?

    A música vem sendo utilizada em vários momentos da nossa história, desde os primórdios da humanidade, com finalidade terapêutica. Ela pode ser considerada um importante meio de comunicação/interação entre profissional e cliente, pois proporciona um ambiente agradável e saudável, fazendo com que o foco não esteja restrito à doença. O cliente se sente valorizado como ser humano.

    O objeto do seu estudo é o impacto que a visita musical causa ao cliente internado em um ambiente de UTI. Qual o impacto produzido nas equipes atuantes nesse contexto; foi possível fazer essa avaliação?

    Sim. Ao realizar o estudo, todos (médicos, técnicos e outros profissionais) ficavam observando. O interessante é que nas visitas musicais onde era utilizado o violino, a música tocada era apreciada por todos. Sinto que a equipe sentia um pouco do que o cliente sentia, ou seja, eles sentiam uma atmosfera familiar e não apenas a tensão do serviço. É possível fazer um estudo sobre o impacto das visitas musicais para o profissional de uma UTI. Tenho certeza que os resultados serão fantásticos e a visita será produtiva.

    O uso da música com finalidade terapêutica não é uma abordagem nova. Qual a primeira documentação que se tem a esse respeito?

    Platão e Aristóteles seriam os precursores da música terapêutica, ao falarem e receitarem música; dizendo que ela não havia sido dada ao homem com o objetivo de afagar seus sentidos, mas sim para acalmar os transtornos da sua alma. Caminhando pela história encontramos relatos de que os egípcios a utilizavam, e todos os autores citam também a passagem bíblica da música curativa que era efetuada por Davi diante do rei Saul.

    Quais os cuidados que se deve ter na introdução desse recurso num ambiente de UTI?

    É importante observar a particularidade e a aceitação de cada cliente. Tem que ser respeitada a sua vontade, pois ele pode não aceitar as visitas musicais. É necessário pesquisar cada cliente e família para saber seu gosto musical, e o mais importante, para que essa visita seja terapêutica deve ser sucinta, evitando o estresse e o cansaço.

    Quais foram os instrumentos musicais utilizados na sua pesquisa?

    Em alguns clientes, geralmente os que gostam de músicas mais clássicas, o instrumento utilizado foi o Violino, por eu já saber tocá-lo. E utilizei também um aparelho de mp3 em outros clientes.

    Que parâmetros foram utilizados para a análise dos resultados?

    Para os clientes lúcidos, a análise dos dados foi dividida em 5 categorias:

    1ª – A sensação da internação em uma UTI.

    2ª – Os incômodos presentes no ambiente de uma UTI.

    3ª – As visitas musicais na UTI.

    4ª – O pensamento presente no momento da visita musical.

    5ª – A análise dos sentimentos trazidos pelas visitas musicais.

    Para os clientes sem possibilidade de resposta verbal ou em coma, os parâmetros analisados foram os sinais vitais e a observação.

    Que conclusões foram extraídas dessa experiência?

    Através das entrevistas coletadas foi revelado o potencial que a música tem de estimular os clientes, promovendo um momento lúdico no ambiente hospitalar, proporcionando assim relaxamento e bem estar, podendo deixá-los menos propensos a criar conflitos, além de proporcionar uma maior integração entre eles e o ambiente. Foi possível observar alterações consideráveis através de alguns sinais vitais, como níveis de pressão arterial e saturação de oxigênio. Principalmente nos clientes não responsivos, onde a observação se fez relevante, ao observar o semblante de cada cliente, trazendo-o de um período de prostração e inserindo-o no ambiente.

    A direção do hospital teve acesso aos resultados?

    Sim

    Em nossa região (Sul Fluminense, Estado do Rio de Janeiro, Brasil) algum hospital já adota esse recurso?

    Não.

    Considerando-se os bons resultados obtidos, o que seria necessário para a adoção e/ou ampliação dessa prática nas UTIs?

    Conscientização e amor são as palavras chave, a meu ver. Hoje em dia vemos que os hospitais pensam de forma mais humanizada, pois encontramos várias UTIs que já possuem o apoio emocional através dos psicólogos. Isso é um progresso importantíssimo dentro de uma UTI. Mas é importante ressaltar que a música terapêutica ainda não foi tão divulgada, existe um caminho ainda bem longo para trilhar. É necessário que os profissionais se interessem pelo assunto, busquem, estudem, pois todo o esforço será significante diante da satisfação de prestar o cuidado em forma de música aos clientes. Não há nada melhor para a enfermagem do que um sorriso como parte de um agradecimento.

    É fácil Larissa, dimensionar a importância do tema. Assim, queremos reforçar nosso agradecimento por nos permitir colocar no site, em pdf, a íntegra do seu trabalho. Esperamos que continue firme na difusão dessa experiência e que num futuro próximo nos apresente sua evolução. Boa sorte!  

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