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OBRIGADA, SENHORA!
No Rio de Janeiro, uma mulher se dirige ao balcão de atendimento de um hospital público. Em seguida, agitada, anda de um lado para o outro. Imobilizada em uma velha cadeira de rodas, sua filha a espera.
Cansada, para e senta-se ao meu lado. Sem pedir permissão, começa a relatar sua história.
Há meses agendara uma consulta para essa filha. Moram em Cabo Frio e para chegarem ao hospital saÃram de madrugada, viajando de táxi durante horas. Para as despesas, precisaram da ajuda de vizinhos.
Agora, a secretária lhe informa que não haverá consulta porque a médica e seus assistentes faltaram. Houve um vazamento de água no consultório. Este o motivo alegado.
Indagou sobre por que não a avisaram. Não houve resposta.
Enquanto detalha, suas rugas se movimentam como que a desenhar palavras. Atenta, acompanho cuidadosamente cada traçado.
A indignação imprime-se à sua face. Não se robotizou. Não se conformou. Está viva!
Faço uma reflexão sobre o seu caso. Faço uma reflexão sobre o descaso. Uma epidemia.
Os veÃculos de comunicação falam-nos de estupros, pessoas assassinadas, doentes nos corredores, corrupção, desvios do dinheiro público.
Falam sobre o de sempre, e que há muito não me interessa saber, atenta que estou ao pilar intangÃvel que sustenta todos os atos:
A Ética.
Aquela que está no rosto do outro que me interpela e pede respeito (Levinà s).
Este é o pilar. Se corroÃdo pelo descaso o que nos resta fazer?
Naquele momento aflitivo, sem nem mesmo me conhecer, foi a mim que ela escolheu para que fizesse em seu rosto a leitura. Coube-me decifrar seu desabafo.
Aturdida, apoderei-me da sua história e revi, em minha própria face, o desenho dos meus traços.
Obrigada, Senhora, por atiçar-me os sentidos. Estou viva!
É nessa avalanche que sofregamente nos consome, onde lhe deixo um abraço.
Solidariamente,