• O Valor da Confiança

    Data: 04/05/2014 | Categoria: Livre | Tags:

    Por *Denizi de Paula Oliveira

    Houve época em que os acordos dispensavam documentos e assinaturas, “a palavra de um homem estava no fio do seu bigode”, expressão representativa da confiança, o cerne da palavra dada. Tempo bom, suponho, pois não há nada mais tranquilizador do que contar com pessoas que sabemos ser confiáveis.

    O tempo passou e o bigode foi raleando. Anteontem pensei sobre isso quando ouvi alguém dizer que “o que é combinado não é caro”, outro ditado antigo e que me faz refletir… Se a cada dia prolifera em nossa cultura o descompromisso com a palavra, o preço do combinado deve estar pela hora da morte, de tão caro.

    Com essa inquietude assisti a um capítulo de Meu Pedacinho de Chão; novela da Rede Globo toda em clima de fábula. Uma produção primorosa, delicada obra de arte. Vale a pena assistir.

    Na trama o personagem Zelão se apaixona pela professora Juliana e decide declarar-se a ela. Por ser analfabeto pede ajuda ao amigo Rodapé, ditando-lhe cartas com as mais belas palavras. Rodapé finge que escreve desenhando rabiscos, pois também é analfabeto, que chegam às mãos da amada. Descoberta a farsa Zelão, envergonhado, vai à caça de Rodapé garantindo que irá matá-lo. Este pede ajuda à professora convencendo-a de que a única forma de aplacar a fúria de Zelão seria respondendo-lhe com uma carta que contivesse “nem que fosse um tiquinho assim de esperança”. Ao recebê-la Zelão, ansioso e aflito, procura por alguém da mais absoluta confiança, para que a leia em segredo.

    Cabe ao jovem Ferdinando, a pedido da professora, executar a tarefa. A cena é sutil e belíssima. O olhar e as mãos hesitantes de Zelão, ao passar o envelope para as mãos de Ferdinando, materializam o sentimento de entrega, pressuposto da confiança, revelando de forma emocionante e singela, o extremo valor do gesto.

    Envolvida pela cena, foi-se a minha inquietude naquela fração poética… O que seria de nós sem a misericórdia da poesia? É o que mais uma vez me pergunto, enquanto agora lhe escrevo.

    *Denizi de Paula Oliveira é médica, anfitriã e mentora do programa Belas Conversas, no Espaço Pessoa Bonita